quinta-feira, 17 de novembro de 2011

O Pinhão


Pinhão

Só quem viveu à sombra dos pinheirais, em contacto íntimo com a Araucaria angustifolia, conhecida como Pinheiro do Paraná, pode ter lembranças que envolvam o gosto do pinhão catado no chão e comido à moda nativa: no sapêco. Nos meses de maio e junho, quando do sazonamento dos pinhões, era programa obrigatório dos garotos de minha infância saírem à cata dessas sementes nas matas que circundavam a cidade de Palmeira. Era diversão garantida andar pelas trilhas das florestas e procurar pelas tão saborosas sementes antes que, cotias, pacas, ouriços, camundongos e serelepes; e aves como papagaio-de-peito-roxo, gralha-picaça, airus, gralha azul, tucanos e insetos, os atacassem. As incursões bem sucedidas dependiam de timing apurado: nem antes que os pinhões caíssem naturalmente, nem depois que os predadores os atacassem.
No entender prático de nosso tempo e conhecimento, existem dois tipos de pinheiros quanto às suas pinhas e ao tempo de maturação delas. O primeiro, mais alto e esguio, tende a ter um perfil do tipo “taça de champanhe” e dá pinhas menores, com pinhões mais abundantes, formatos alongados e claros mesmo quando sazonados. O segundo tipo apresenta o perfil de guarda-chuva, mais baixo com tronco mais grosso, suas pinhas são maiores, sazonam mais tarde e os pinhões, maiores, menos abundantes, são mais escuros e mais deliciosos. Existe um terceiro perfil, o cônico ou tipo árvore de natal tradicional, mas este formato se refere a pinheiros novos ou espécimes anômalos que tenham nascido fora de seu ambiente natural, as florestas ombrófilas.
Pois bem, o ideal seria observar o timing exato e colher os pinhões ainda frescos no chão, só que isso era apenas teoria ou comportamento não observado, a vontade de comer as sementes o quanto antes ditava outras regras. O mais das vezes o que nós fazíamos, capitaneados pelo nosso tio Beto, era ir à colheita antes das pinhas debulharem seu conteúdo no solo, ou seja, quando as pinhas já maduras ainda não tinham se desfeito lá no alto dos galhos. Então, tio Beto cortava um bambu bem comprido, normalmente encontrado na chácara do seu Ângelo Nicolate, e o levávamos para cutucar as pinhas de modo a fazê-las soltarem os pinhões. Catadas as sementes, em geral fazíamos uma fogueira com as próprias agulhas da árvore, agulhas que chamávamos sapê, e jogávamos os pinhões no fogo de forma a assá-los a moda indígena chamada sapêco. Ficavam deliciosos.
Fora esse consumo in natura o ato da colheita, os pinhões eram levados para casa onde podiam ser cozidos com um pouco de sal ou assados na chapa do fogão a lenha e amassados com macete de madeira de forma a ficarem achatados e soltarem a casca, a esta modalidade chamávamos de bilé.
Pois bem, além do pinhão ser fonte importante de proteínas e carboidratos, ele proporcionava-nos a fantástica oportunidade de trilhar aquelas matas maravilhosas com imbuias e cedros centenários ornadas de orquídeas, especialmente a Lelia purpurata que, na época de floração, tingia com tonalidades arroxeadas a floresta. A experiência de incursões na floresta fresca mesmo no verão, perfumada por aromas sutis de plantas, musgos e flores; sonorizada por pios de pássaros os mais variados e assombrada por brisa que farfalhava as árvores dando-lhes movimento de vida perceptível, como se estivessem a falar umas com as outras, é algo inexplicável, algo que só é possível sentir, descrever não.
Mas, uma das vezes em que fomos com tio Beto e o bambu comprido, nos dirigimos a uma mata pequena bem próxima ao bairro onde morávamos, coisa de quarenta minutos a pé. Havia um aglomerado de pinheiros muito antigos, portanto, muito altos, nessa pequena floresta que, segundo nosso tio, pertencia a um conhecido dele, Kaminski, o qual dera permissão tácita para que tio Beto colhesse pinhões lá. Acompanhávamos nosso tio, o Joel, eu e o Jonas, irmão mais novo do Joel, devia ter uns quatro ou cinco anos. Pois estava o tio Beto trepado numa árvore, da qual podia cutucar as pinhas com mais facilidade com o bambu e nós apanhávamos os pinhões que caíam no chão, quando ouvimos gritos de alguém nos enxotando do lugar. “Saiam da minha propriedade, ladrões!” ou coisa que o valha. Assustados, nós os piás, corremos. Tio Beto, sobre a árvore, involuntariamente camuflado entre a ramagem, identificou que quem gritava era o Kaminski, e também gritou: “Kamisnki! Sou eu! Kaminski! Sou eu!”, e o Kaminski nem aí, munido com um facão, ameaçava com gestos. Corremos tanto que nossos calcanhares batiam nas nádegas e só paramos quando a distância ao polaco raivoso e seu ameaçador facão nos pareceu segura.
Serenados os ânimos depois do susto, Jonas tinha urinado nas calças, tio Beto, indignado, ainda reclamava do "amigo" não o ter reconhecido e feito aquele papelão, Joel e eu consideramos que foi o mico do ano e deixamos de comentar o acontecido. Mais tarde, ficou por conta do Jonas os comentários do evento que, segundo pareceu a ele, foi causado por um cachorro chamado Kaminski. Perguntado sobre o fato, respondia: O Kaminski mordeu o calcanhar do tio Beto. E ponto final, não havia mais o que falar. JAIR, Floripa, 27/01/11



2 comentários:

  1. Cara Sandreli,
    Fico feliz que você tenha aproveitado esse texto que diz tanto para nós que fomos criados "à sombra dos pinheiras" e apreciamos pinhões. Mais uma vez, parabéns pela iniciativa de colocar num blogue histórias e imagens de nossa terra. Abraços, JAIR.

    ResponderExcluir
  2. Parabéns Sandreli mais uma vez pelo seu lindo Blog e pela qualidade de materiais que tem colocado nele!

    Parabéns ao Jair também por estar nos prestigiando e nos incentivando!

    Karine

    ResponderExcluir